MULHERES WAPICHANA E MACUXI DA REGIÃO MURUPÚ REALIZAM OFICINA DE MEDICINA TRADICIONAL

Com objetivo de valorizar a medicina tradicional dos povos indígenas e combater a Covid-19, mulheres Wapichana e Macuxi da região Murupú se reuniram na comunidade Serra da Moça nos dias 17 e 18 de dezembro de 2020, para produzirem chás, xaropes e banhos com plantas nativas de suas comunidades.

O encontrou organizado pela coordenadora da Medicina Tradicional, Keila Oliveira Carlos das Chagas contou com a presença de mais de 50 pessoas entre mulheres, jovens, crianças, homens apoiadores, professores, lideranças, anciãs conhecedoras e Agentes de Saúde Indígena. O evento teve apoio do Conselho Indígena de Roraima e obedeceu a todos os procedimentos de segurança e higienização para evitar a contaminação do Covid-19.

“Na oficina sobre medicina tradicional fizemos xaropes e outros remédios para combater à covid-19 como pomadas para cicatrizar bateduras, garrafadas, banhos, sabonetes entre outros. É muito importante valorizar a medicina tradicional dentro das nossas comunidades, na nossa região e usar, tanto nossos parentes quanto as pessoas de fora possam usar e valorizar as ervas, os nossos remédios caseiros, porque no tempo da covid, o que mais combateu foi a medicina tradicional. E até hoje temos usados e estamos usando, porque ainda estamos numa pandemia e por isso é muito importante valorizar essa medicina tradicional”, explicou a coordenadora Keila Chagas.

Coordenadora Regional da Medicina Tradicional Keila Chagas. Fotos: Eriki Aleixo Wapichana

Durante o evento, as mulheres anciãs, conhecedoras das plantas e suas propriedades medicinais, também participaram, transmitindo os conhecimentos sobre as ervas e suas funções. “Nós estamos fazendo a oficina de medicina tradicional e tem muitas mulheres que estão aprendendo, que vieram agora. Essa já é a quarta vez que estamos fazendo aqui na Serra da Moça. Isso mostra que já estamos preparados. Já passamos para outras que querem aprender e é bom a gente participar porque isso serviu muito para essa pandemia. Nós tomamos aqui e mandamos para cidade para nossos parentes”, disse a dona Zica Eduardo Carlos.

Explicações das mulheres sabedoras sobre o uso das raízes nativas, Dona Zica Carlo. Foto: Eriki Aleixo Wapichana

O convite foi enviado pela coordenadora regional para as coordenadoras locais das comunidades Serra do Truarú, Morcego, Anzol e Truarú da Cabeceira, que foram orientadas a levarem as ervas e plantas medicinais que tinham disponíveis em suas residências. Muitas levaram ervas que normalmente encontramos na vegetação local, tal como ervas de passarinho, salva do campo, casca de copaíba de jatobá e jenipapo. Outras levaram folhas mais especializadas que se encontradas apenas nas residências, como boldo, urucum e alho.

“Eu estou representando minha comunidade Serra do Truarú aqui na oficina de medicina tradicional e isso vale à pena a gente fazer para combater o covid-19. Eu já provei o xarope que as mulheres fizeram e ficou muito bom. Eu só tenho a agradecer pelo convite”, avaliou Joaquina Oliveira Rodrigues, que esteve presente na oficina.

Muitos xaropes foram feitos e engarrafados para serem distribuídos para quem necessitar e ainda abastecer os postos de saúdes das comunidades. A responsável pelo cozimento nos fogões a lenhas da própria comunidade foi a vice coordenadora Neila Carlos da Chagas. “Nessa oficina a gente aprendeu e trocou saberes, estamos aqui pra aprender e ensinar. A minha parte foi o Xarope para Covid e o Xarope para gripe. Usamos ingredientes que foram da colaboração. Cada ingrediente foi colaboração de todos e de todas e aí é onde nós estamos unidos pela nossa própria saúde. Estamos aqui para somar e estou muito grata por isso”, disse ela.

A vice coordenadora Neila Carlos e Joaquina Rodrigues expondo os sabonetes produzidos na oficina. Foto: Eriki Aleixo Wapichana

A vice-coordenadora ainda fala sobre como foram tratados os casos de covid-19 na comunidade. “Isso foi muito proveitoso porque logo que começamos a fazer os nossos remédios, iniciou esse negócio da covid. Logo começamos a fazer, as meninas já vinham fazendo e eu sempre fiz esses xaropes todo início de invernos para meus filhos e para minha neta. Aqui na comunidade não houve nenhum óbito porque usamos os chás que foram recomendados. Teve casos, mas todos estão recuperados e nós queremos nos aprofundar cada vez mais nos conhecimentos da medicina tradicional”.

Cozimento dos chás. Foto: Eriki Aleixo Wapichana

A Agente Indígena de Saúde, Lucinara Marcelo de Lima, da comunidade Serra do Traurú também participou da oficina e destaca a importância de se aprender a produzir os chás para o tratamento dos casos que houve nas comunidades.

“E aqui tem muitos remédios e isso é um conhecimento que vamos levar para o resto da vida e isso é importante porque o remédio da cidade é totalmente diferente do nosso. E quem leva esse conhecimento passa adiante e ensinam os outros. Temos aqui muitos remédios e isso quer dizer que somos ricos porque tiramos do nosso para o nosso próprio consumo. Por conta da pandemia, o nosso medicamento salvou muita gente, que se trataram através dos chás”.

Já a Agente Indígena de Saúde Suzane Silva, da comunidade Anzol falou também sobre como a oficina a alertou sobre as plantas que possui na sua comunidade. “Participei do evento sobre medicina tradicional para falar da sua importância, porque muitas das vezes temos o medicamento em casa e não demos a importância devida. E estou achando incrível, muito bom e ainda aprendendo. Eu trouxe da minha comunidade manjericão, salva do campo, copaíba, e com isso fizemos xaropes, banhos, garrafadas. Teve muito proveito”.

Agente de saúde Indígena Lucinara Marcelo de Lima. Foto: Eriki Aleixo Wapichana

É importante destacar a situação da comunidade Anzol que aguarda sua demarcação e com a pandemia do Covid-19, muitas atividades foram paralisadas. A comunidade sofre com a falta de fontes naturais de água potável e não possui energia elétrica. É cercada por fazendeiros locais e pela monocultura de Acácia Mangium que constantemente ameaçam sua sobrevivência física e cultural.

Ao final da oficina, a coordenadora Keila falou sobre os planos futuros, que é de construir uma casa da medicina tradicional, onde poderão guardar seus materiais e plantar hortas para produção de medicamentos. Destacou a importância de se ter apoio das organizações, que contribuíram com materiais através da implantação do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) em parceria com o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e ainda com o Dsei-Leste que também contribui com as atividades.

Processos dos Xaropes sendo peneirados. / Foto: Eriki Aleixo Wapichana

Para o ano de 2021, a comunidade Serra da Moça pretende recepcionar o Encontro Estadual da Medicina Tradicional que reunirão todos e todas indígenas que atuam nesta área em suas regiões.

Nota técnica elaborada por Eriki Aleixo Wapichana- Antropólogo