Conheça as mulheres indígenas de Roraima que protagonizam suas histórias e estão na linha de frente pela proteção do território e preservação da cultura

Os povos indígenas de Roraima tem uma luta consolidada de mais de 50 anos, uma luta em defesa dos territórios tradicionais, pelos direitos coletivos e pela autonomia. Ao longo dos anos, após a conquista dos territórios, os povos buscaram fortalecer a sua organização social, política e cultural, e neste contexto, as mulheres indígenas também começaram a protagonizar a sua história, como lideranças que estão na linha de frente das ações de proteção ao território e preservação da cultura.

Nesta matéria especial, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) buscou conhecer um pouco da trajetória de quatro mulheres lideranças que estão na linha de frente em seus territórios, são elas: Maria Alcinda (coord. GPVIT/Surumu); Isabela Tomás (comunicadora e artesã); Leirijane Nagelo (Tuxaua/ Morcejo); e Rosilane Silva (Brigadista/ Surumu).

Maria Alcinda Mota,37 anos, é do povo Macuxi, mora a comunidade indígena Barro, região Surumu, T.I Raposa Serra do Sol, Alcinda, em 2019, começou a atuar no GPVTI ( Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena),há um ano e três meses coordena o grupo da região.

O GPVTI, faz a proteção e o monitoramento nas terras indígenas, além disso, acompanha as lideranças em casos de denúncias de garimpo ilegal, turismo clandestino, e questões como a violência doméstica. Um trabalho de coragem e força, que antes era feito somente por homens. Mas, Maria alcinda, é a prova que a mulher pode está onde quiser, quebrando o tabu de sexo frágil.

“Não é uma tarefa fácil, enfrentamos desafios e ameaças, na minha comunidade por exemplo, a falta de organização social é grande. As pessoas não nos respeitam, porque não sabem como nós GPVTIs trabalhamos”.

Dentre os desafios do grupo, o retorno dos não indígenas para a região é o maior deles. A situação tem gerado desconforto entre os moradores e dividido opiniões. Já que essas pessoas são as mesmas que receberam indenização quando a T.I Raposa Serra do Sol foi homologada.

“ Raposa Serra do Sol é um alvo para esses invasores, e eles estão retornando, fazendo a cabeça dos parentes que são contra o movimento indígena, e isso nos preocupa, porque tem um impasse entre quem aceita e não aceita”.

Além de GPVTI, Maria é mãe, professora, esposa, filha, e precisa dividir o tempo entre uma atividade e outra, sem esquecer o principal que é mulher, no entanto a missão de conciliar casa, trabalho, família e as ações de proteção ao território exige muito, porém, desistir não faz parte dos planos de quem busca o melhor para o seu povo.

“ Meu pai falou para me desistir, porque é muita atividade. E eu tento não misturar as coisas, só que tudo está ligado um ao outro , sempre que eu preciso ir para uma reunião de estratégia converso com os alunos e comunidade, explicando sobre meu trabalho de proteção ao território dentro da minha região ”, explicou Maria.

O trabalho feito com dedicação há cinco anos, é pensando principalmente nas futuras gerações, Maria Alcinda, vai deixar um legado de luta, resistência e conquista para as crianças que ela dá aula e para os pequenos que ainda irão nascer.

“ As crianças dependem do meu trabalho de proteção às terras, para que futuramente elas tenham esses espaços protegidos para correr, brincar e tirar o seu sustento”, ressaltou.

Outra mulher indígena que inspira é Eliane Isabela Tomás da Silva, 28 anos, da comunidade Indígena Tabalascada, T.I Tabalascada, região Serra da Lua. Isabela é do povo Wapichana, faz parte do grupo de Comunicadores Indígenas da Rede Wakywaa.
Mas, é por meio da arte que busca manter viva a tradição de seu povo, quando criança Isabela via os avós e a mãe fazer artesanatos com fibras, e produzir jamaxim, peneiras e tipiti. Tomás descobriu seu talento e interesse pela arte aos 14 anos, durante a aula Práticas Indígenas com a professora Juberlita Macuxi, na escola professor Ednilson Lima Cavalcante.

“Para mim é de grande importância valorizar a nossa cultura, a nossa herança. Sou grata aos professores com quem aprendi a fazer as biojoias, é uma herança deixada de geração em geração”, expressou Isabela.

Atualmente a jovem é idealizadora do projeto Biojoias Pimydy, que na língua Wapichana significa Beija -Flor, com apoio do Fundo de Mulheres Indígenas do Brasil, Instituto Paiakan, Regenerosity e do Conselho Indígena de Roraima (CIR). A artesã produz brincos de plumas, colares de sementes e aneis.

“ Foi importante e gratificante levar esse conhecimento para comunidade, fiz isso na oficina que envolveu jovens, homens, mulheres e crianças, foi uma maneira de fortalecer nossos mestres, para que eles vejam que os saberes tradicionais continuam vivos”, contou.

Isabela compartilhou não só a sua história, mas, a preocupação com as queimadas que estão acontecendo nas comunidades indígenas causando impactos ambientais, porque a matéria- prima para fazer os artesanatos são tiradas do próprio território.

“ É triste vê toda a destruição que o fogo está causando, nossas sementes, fibras e até os animais sendo queimados, eles não tem culpa da falta de consciência das pessoas, que tocam fogo de qualquer jeito, ou jogam resto de cigarro nas estradas. Elas devem lembrar que temos um bioma e vidas lá dentro para proteger” , ressaltou.

Mãe de duas meninas, Isabela é exemplo de determinação, já participou de várias incidências fora do estado, sempre levando a arte como fortalecimento da cultura do seu povo, e os planos é continuar a percorrer o caminho em busca de aprendizado, sem deixar a base e os saberes tradicionais de lado.

“ Nós mulheres indígenas somos de vários povos, somos mulheres guerreiras, lutamos pela defesa do território, pelo direito à vida. Nós estamos sempre fazendo a nossa parte, valorizando a nossa tradição ,cultura e fortalecendo nossos filhos e a nossa geração. Nós temos a capacidade de ajudar o nosso povo e a humanidade, a mãe terra faz parte de nós, por isso a defendemos e é dela que tiramos o sustento da nossa família”, reforçou Wapichana.

Leirijane Nagelo, também é uma das mulheres indígenas guerreiras que carregam histórias de luta e resistência. Do povo Macuxi, Leirijane é tuxaua na comunidade indígena Morcego, T.I Serra da Moça, região Murupu. O mandato como tuxaua iniciou em 02 de dezembro de 2022, e liderar a comunidade com cerca de 214 pessoas, tem seus desafios, principalmente quando o território é demarcado em ilha, como é caso da T.I Serra da Moça, uma área de 11.626 hectares, conforme explicou Leirijane.

“São vários os desafios que temos como liderança, um deles é a demarcação do nosso território, por ser demarcado em ilha ficou de fora todas as fontes de riqueza natural lagos, rios, matas de onde tiramos o nosso sustento. A vezes os moradores vão para áreas de fazendas, pedem para pescar e caçar e muitas das vezes é negado o pedido, já foram até ameaçados”, desabafou a tuxaua.

A área da comunidade é rodeada de fazendas e assentamentos, a falta de água também é um dos problemas relatados pela liderança, que pede atenção dos órgãos competentes para a questão de reestudo de caso da ampliação do território, para garantir segurança às famílias da comunidade Morcego.

“Ao redor da nossa comunidade tem fazendas de soja, assentamentos e a todo tempo temos nossa terra invadida, pelos não indígenas, que vão até a serra tirar madeiras sem a nossa permissão, já denunciei aos órgãos competentes e aguardamos por uma resposta”, reforçou Leirijane.

A tuxaua vem de uma linhagem de lideranças, viu o avô, pai e mãe na linha de frente das lutas pela demarcação e proteção do território enquanto foram tuxauas. Inspiradas neles, ela continua o legado, na defesa dos direitos do seu povo.

“Hoje estou dando continuidade a um legado que foi deixado por eles, nasci e me criei dentro do movimento indígena, então eu sei das dificuldades que nós tivemos e temos até hoje”.

Leirijane, ressalta que além de liderança é mulher, mãe, filha e neta. A família é a base onde encontra força, sabedoria e coragem para continuar a caminhada de liderança. “Hoje tudo que a gente faz é pensando no amanhã, como a garantia e respeito aos nossos direitos, para que as futuras gerações tenham acesso a isso também”.

Corajosa, a tuxaua representa parte das lideranças mulheres que são símbolos de resistência, e reforça que as mulheres indígenas podem estar onde quiserem, sendo protagonistas de suas histórias, ocupando o mais alto cargo na comunidade ou não.

“Nós mulheres temos uma força muito grande, que vêm dos nossos ancestrais e isso é a nossa base, para hoje estarmos aqui defendendo nosso direito de falar, contar a nossa história, porque estamos no lugar certo, ocupando espaços seja como tuxaua, coordenadora de região, vereadora, Deputada, lugar que é nosso por direito, porque somos capazes”, pontuou Leirijane, os perfis que as mulheres indígenas também podem conquistar.

Quem também atua na defesa do território é a brigadista voluntária Rosilane da Silva, 24 anos, do povo Macuxi, moradora da comunidade indígena Maloquinha, região Surumu.

O trabalho de prevenção e combate às queimadas, começou há quatro meses, e tem se intensificado devido às queimadas descontroladas que ocorrem nas comunidades indígenas.

“Eu gosto do que eu faço, é importante, estou trabalhando para proteger a natureza e os animais, que estão sendo prejudicados com a seca e queimadas que estão acontecendo nas comunidades indígenas”, disse Rosilane.

A brigadista faz parte da base da brigada comunitária que fica na comunidade indígena Barro, região Surumu, e tem dedicado parte do tempo, nas ações de combate ao fogo junto com os demais companheiros na atividade que envolve riscos e desafios.

“ Temos feitos aceiros nas roças regionais e também atuado no combate às queimada nas regiões, é perigoso e desafiador quando vamos fazer essas atividades com fogo, o vento forte, fogo alto, muita fumaça é muito quente, é uma situação que não conseguimos controlar, eu tenho medo de me queimar, ressaltou a brigadista.

Rosilane é determinada, forte, e mesmo diante dos riscos e desafios, continua na luta pela proteção e preservação do território. Como de costume, enquanto falava com a nossa equipe estava viajando para mais uma ação.

A jovem brigadista, também reforça a luta das mulheres indígenas pelo direito à vida e território, luta que vem desde os antepassados, dia após dia, incansavelmente com histórias que misturam dor, derrotas e conquistas.

“Nós queremos respeito. Enquanto mulher indígena peço proteção às nossas florestas, rios, lavrados de onde tiramos nosso sustento, chega de invasão provocada pelos não indígenas ao nosso território”, pediu Rosilane.

Maria Alcinda, Isabela Tomás, Leirijane Nagelo, Rosilane Silva, são mulheres que não apenas protegem a natureza, mas também são líderes em suas comunidades, inspirando outras gerações e mostrando que a força feminina é capaz de manter viva a cultura, os costumes tradicionais e a resistência.