SEMINÁRIO ABORDA IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA TERMOELÉTRICA E ASPECTOS JURÍDICOS E DIREITO DE CONSULTA DOS POVOS INDÍGENAS

Lideranças e moradores das Terras Indígenas Canauanim, Malacacheta e Tabalascada, na região Serra da Lua, município de Cantá, estiveram reunidos nos dias 26 a 28 de abril, em Seminário para discutir os seguintes assuntos: Impactos Socioambientais, Aspectos Jurídicos e Direito a Consulta, considerando as Usinas Termoelétricas instaladas em torno das terras indígenas.

Segundo informações divulgadas pela imprensa, a Usina Termoelétrica de Cantá foi inaugurada no dia 28 de março, mas já vem operando desde o mês de fevereiro de 2022. A instalação da usina preocupou as lideranças devido a proximidades das terras indígenas Tabalascada, Malacacheta e Canauanim. Diante das preocupações as lideranças decidiram convidar especialistas para entender os impactos do empreendimento.

Nos dias 29, 30 e 31 de março foram realizadas Assembleias Comunitárias de Protocolo de Consulta sobre a Termoelétrica na região, nas mesmas Terras Indígenas, e contou com a presença das empresas Oxe Energia, responsável pelo empreendimento e MRS Estudos Ambientais. Na ocasião, foi apresentado o Plano de Trabalho para a elaboração do Estudo do Componente Indígena (ECI). Além do cronograma já para a execução de atividades que seriam desenvolvidas dentro das comunidades.

Porém, as lideranças e moradores tiveram dúvidas sobre a real situação do empreendimento. Por isso, optaram por realizar outro evento sem a participação dos representantes da usina. Foram convidados Conselho Indígena de Roraima (CIR), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Ministério Público Federal (MPF), Instituto Insikiran/UFRR, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fórum de Energias Renováveis, Movimento Puraké, tuxauas e moradores que estiveram dando palestras sobre o assunto para que todos os participantes pudessem entender melhor sobre a situação que já vem impactando a região.

No dia 26 de abril, a comunidade Malacacheta foi quem recebeu a primeira palestra. Cerca de 150 pessoas estiveram participando da reunião. Conforme o coordenador regional da Serra da Lua, Clóvis Ambrósio, destacou que a usina está dentro da área no qual a comunidade Malacacheta pede revisão da terra.

“De tudo que foi falado sobre essa usina, fomos pegos de surpresa, sem informações de muitas coisas. Porque ninguém sabia que estava ocorrendo essa tramitação de construção, quem nos informou foi assessoria jurídica do CIR. A gente vê nisso que o governo não tem nenhuma consideração pela população indígena, nem a Funai. A usina ficaria dentro do nosso território. Na década de 70, aquela área era toda da comunidade Malacacheta, inclusive foi comprada pelos indígenas, pagamos impostos por ela. Quando veio a demarcação, a Funai não incluiu essa parte e acabamos perdendo a terra”, disse.

No dia 27, a comunidade indígena Canauanim recebeu o seminário. Cerca de 100 pessoas estiveram presentes. Participou do evento o Procurador da República titular do 4º Ofício que atua na defesa do Meio Ambiente no Ministério Público Federal, MPF, Dr. Matheus de Andrade Bueno, que explicou os impactos que a termoelétrica eventualmente poder causar à população e destacou a importância do direito de consulta dos povos indígenas:

Não pode chegar assim entrando ou invadindo e depois estabelecer condições. Para se fazer algo deve haver uma permissão prévia. Para construir algo tem que ter a participação das pessoas, desde o começo. Aqui estamos em uma fase em que as coisas já estão funcionando e não teve a oitiva. Que é uma garantia legislativa e temos convenções internacionais no qual garantem que a consulta deve ser livre, prévia e informada. O fato de as comunidades não serem ouvidas é muito grave, é o descumprimento de uma normativa e que causa danos que as pessoas não imaginam. Porque primeiro deve investigar e descobrir entre o benefício e o risco do empreendimento, saber sobre os danos que vai causar. Se não sabe, não pode construir”, destacou.

Comunidade Tabalascada recebeu o encerramento do Seminário sobre impactos da Termoelétrica

Já no dia 28 de abril, o encerramento do seminário foi realizado na Terra Indígena Tabalascada com cerca de 100 participantes. O tuxaua César da Silva, ressaltou a importância em discutir com a comunidade sobre esse assunto voltado à construção e funcionamento da usina termoelétrica.

“Esse é um assunto que nos traz uma preocupação muito grande. Ainda estamos tentando entender do que vai realmente acontecer e as consequências que teremos daqui para a frente. É importante saber mais sobre essa construção e sobre os impactos que iremos sofrer. Vale destacar também não só assuntos da termelétrica, mas também sobre a hidrelétrica do Bem Querer. Essa que também vai nos atingir e que já foi proposto um estudo, desse mesmo jeito que estão nos propondo sobre a termoelétrica. Então é importante ficarmos atentos e dar mais importância para isso”, frisou o tuxaua.

Dra. Maria Luiza, assessoria jurídica do CIR, destacou o direito de as comunidades serem consultadas:

O direito de ser consultado está resguardado pela Constituição Federal e em tratado internacional a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o direito de consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas, sobre qualquer medida, ação, projeto e inclusive Projeto de Lei que venha afetar as comunidades. Que tudo deve se consultar antes, na hora do projeto, na hora da ideia. E não somente projetos que estejam dentro da Terra Indígena, e sim qualquer projeto que vá atingir as comunidades, frisou.

Assessoria jurídica do CIMI esteve esclarecendo sobre licenciamento para as lideranças

Coordenador Geral do CIR, Edinho Batista, participou do seminário nas três Terras Indígenas e destacou em sua fala sobre empreendimento construído na região Serra da Lua: “A gente não foi consultado e não temos conhecimento sobre essa usina, então ela é ilegal. Para que haja uma consulta, não deve ter apenas meia dúzia de pessoas participando, mas sim uma participação em massa, desde a criança ao idoso. Porque quem está senda afetada é a população indígena.  Mas não queremos apenas sermos consultados, as nossas decisões devem ser respeitadas” comentou.

AS USINAS

Foi construído um complexo de termoelétricas na região Serra da Lua, nos municípios do Cantá e Bonfim. O empreendimento é controlado pela empresa Oxe Energia e está próximo a três Terras Indígenas: Canauanim, Malacacheta e Tabalascada. Nelas possuem quatro comunidades das etnias Wapichana e Macuxi.

O que se sabe é que as usinas receberam incentivos fiscais do Governo de Roraima e foram leiloadas em maio de 2019, no primeiro pregão de energia promovido pelo governo Bolsonaro. E logo em seguida foram dados inícios às obras de construção.

A princípio quem venceu o leilão foi a empresa Uniagro Comércio de Energia. Mas em 2020, em plena pandemia do Covid-19, a Oxe Energia comprou a empresa e deu continuidade às obras, não respeitando o isolamento. Inclusive colocando em risco a saúde dos indígenas por contaminação do coronavírus. Já que a estrada pela qual trafegavam passa por dentro das comunidades. Até o momento, a compensação pelos danos ambientais causados pelo Complexo da Serra da Lua foi por termo de ajustamento de conduta assinado em julho de 2020, sem participação das comunidades indígenas atingidas, e destinou recursos das donas das usinas para a reforma da sede da FEMARH, em Boa Vista.