Oficina na comunidade Caracanã aborda violência contra mulher e combate à bebida alcoólica

A cada dois minutos, cinco mulheres sofrem violência, conforme dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. No Brasil, são registrados 245 casos de violência contra a mulher por dia. Até outubro de 2023, foram recebidas 461.994 ligações pela Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, das quais 74.584 relataram algum tipo de violência contra mulheres.

Essa realidade não se limita aos grandes centros urbanos, mas nas comunidades indígenas do estado de Roraima, onde os casos de violência contra a mulher são recorrentes.

Para alertar e orientar sobre essa realidade, foi realizada na comunidade indígena Caracanã, na terra indígena Raposa Serra do Sol, município de Uiramutã, a mais de 300 km da Capital, a I Oficina sobre violência contra a Mulher e combate ao alcoolismo nas comunidades indígenas.

Em um trabalho itinerante nas comunidades indígenas, a Secretaria do Movimento de Mulheres Indígena do Conselho Indígena de Roraima (CIR) tem realizado oficinas não somente para mulheres, mas para toda comunidade.

Secretária Kelliane Wapichana – Ascom/CIR

Nessa missão, a secretária e coordenadora executiva do CIR, Kelliane Wapichana, juntamente com a coordenadora do Apoio Emergencial, Vanessa Fernandes e a estudante de Direito da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Mávera Teixeira, estiveram por dois dias (21 e 22), na comunidade Caracanã, reunidas com homens, mulheres, jovens e até crianças, tratando sobre o tema, em uma dinâmica de escuta e esclarecimentos.

Além dos moradores do centro Caracanã, a oficina envolveu também os centros Willimon, Maturuca e Pedra Preta. Aproximadamente 100 pessoas estiveram no evento.

Atentos, receberam informações sobre os diferentes tipos de violência, a Lei Maria da Penha e o alcoolismo. Mavira Santos, do povo Macuxi e estudante de direito da UFRR, que faz parte do Observatório da Violência Contra as Mulheres em Roraima, apresentou a Lei Maria da Penha e os tipos de violência contra a mulher e suas consequências.

Teixeira destacou os tipos de violências, como violência física, moral (que rebaixa a mulher por meio de xingamentos ou outras ações), sexual (relacionada à força contra a mulher), patrimonial (quando o companheiro quebra objetos ou tenta controlar o dinheiro da mulher) e psicológica (quando a mulher é humilhada, chantageada e tem baixa autoestima).

Moradores do centro Caracanã, Willimon, Maturuca e Pedra Preta – Asom/CIR

“Essas violências estão previstas na Lei Maria da Penha, criada em 2006 para proteger as mulheres. Por isso, é importante conhecer nossos direitos”, afirmou a estudante. Além de estudante, Mávera é graduada em História e mestre em sociedade e fronteiras pelo Programa de Pós- Graduação em Sociedade e Fronteira (PPGSOF) da UFRR.

Outro fator que preocupa as mulheres, sendo considerado um dos principais causadores, é a bebida alcoólica. Buscando estratégias para combatê-lo dentro das comunidades indígenas, também compartilharam o assunto.

 

“Estamos aqui para nos unir e lutar contra esse mal que está destruindo nossas famílias”, afirmou Luciana da Silva, agente indígena de saúde (AIS) na comunidade Pedra Preta.

A técnica em enfermagem e coordenadora do Apoio Emergencial, Vanessa Fernandes, esclareceu as consequências do uso excessivo de bebida alcoólica.

“Fora a destruição da família, a bebida alcoólica quando consumida em excesso pode causar danos à saúde, como cirrose, câncer, dependência e até acidentes de trânsito. Por isso, é preciso ser consciente quanto ao consumo de bebida alcoólica, seja ela tradicional (caxiri forte) ou não”, orientou Fernandes, incentivando uma reflexão sobre o assunto.

A atividade ocorreu no barracão comunitário do Centro Caracanã. A comunidade tem 43 famílias e cerca de 191 indígenas dos povos Macuxi e Ingaricó.

A oficina compartilhou vivências de violência, como o caso da moradora de Caracanã, que sofreu agressões físicas, mas, preferiu se calar ao denunciar o caso às lideranças da comunidade.

Com a voz trêmula, a moradora que é do povo Macuxi, relatou a violência física que sofreu do marido. “Estou aqui contando para vocês: meu marido chegou em casa bêbado, me deu um tapa no rosto, expulsou eu e meus filhos de casa. Não é a primeira vez que ele faz isso, e é muito triste. Eu trabalho, a casa é minha e dos meus filhos”, afirmou Iriana.

Outros relatos foram feitos durante a oficina, evidenciando a gravidade da situação.
“Na minha comunidade acontece muito isso, maridos batendo nas mulheres e nas crianças. Isso é ruim para nós. Às vezes estão bêbados e ficam agressivos”, relatou uma das participantes moradoras da comunidade indígena Pato.

A realização da I Oficina sobre violência contra a mulher e o alcoolismo nas comunidades indígenas da região das Serras foi importante e desafiadora, segundo Kelliane Wapichana. Ela destacou a necessidade de abordar os tipos de violência contra a mulher, os direitos das mulheres e buscar, junto com os homens, estratégias para combater esse mal.

Com relação aos relatos, Kelliane ressaltou a tristeza de ouvir os relatos e a necessidade de tomar medidas.

“Vamos fazer nosso papel. É triste, mas precisamos agir quando a situação chega a esse nível. Recebemos relatórios de mulheres com falas e registros de violências, e precisamos ser firmes nessas horas”, ressaltou Kelliane Wapichana.

A maioria das violências ocorreu quando os agressores estavam bêbados. Como podemos enfrentar essa problemática e promover mudanças? Esta pergunta foi formulada para gerar propostas que foram incorporadas ao termo de compromisso durante a oficina.

O documento intitulado “Não à Violência Contra a Mulher e Não ao Consumo de Bebidas Alcoólicas” destaca diversas medidas para abordar essa questão: a criação de regras e punições para aqueles que praticarem qualquer tipo de violência contra a mulher; a realização de palestras educativas sobre prevenção do alcoolismo a cada dois meses; a proibição da entrada de bebidas alcoólicas na comunidade; e a autorização do tuxaua para a compra de bebidas destinadas à produção de medicina tradicional.

O compromisso de rejeitar o consumo de bebidas alcoólicas e promover a comunidade, o trabalho, a família, a saúde, a educação, a sustentabilidade e o bem-estar do território foi aprovado por todos os participantes e servirá como orientação para as decisões das lideranças.

O local do evento foi escolhido durante a assembleia regional da região das Serras, realizada no início de janeiro de 2023.

Segundo explicação de Elinha Maria, coordenadora regional das mulheres da região das Serras, “A comunidade Caracanã foi selecionada devido aos frequentes casos de violência contra a mulher relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas. Aqui decidimos algumas propostas para abordar essa questão ao longo do ano de 2024”, afirmou Elinha.

Moradores do Caracanã – Ascom/CIR

Lúcia da Silva veio da comunidade indígena Caxirimã, uma das primeiras antes de chegar a Uiramutã. Ela participou integralmente da oficina, incluindo a formulação das propostas do termo de compromisso.

Para ela, a iniciativa foi positiva e proporcionou informações que ela desconhecia.

“Eu sei que a violência contra a mulher está presente em todo o Brasil, mas antes pensava que se resumia apenas à agressão física. Aqui aprendi que há outros tipos, como violência psicológica, patrimonial, moral e sexual. Vou percorrer as comunidades falando sobre isso, pois já é o bastante de violência contra nós”, solicitou Lúcia.

A oficina, organizada pela Secretaria Geral do Movimento de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), contou com o apoio dos parceiros Cafod, Build e Embaixada Real da Noruega.