Em cerimônia histórica, mais quatro jovens indígenas são formados pelo Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol

Com brilho no olhar, sensação de missão cumprida e pronto para voltar a sua comunidade, João Victor da Silva, 18 anos, é o mais novo da turma de quatro jovens que concluiu formação técnica no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS).

Em cerimônia histórica, realizada neste sábado(2), no malocão Dionito José de Souza ( in memorian), localizado na comunidade indígena Barro, região Surumu, na terra indígena Raposa Serra do Sol, os jovens concluíram a formação e agora retornam às suas regiões e comunidades para contribuir com o presente e futuro das gerações.

João Vitor, do povo Macuxi, da comunidade Maloquinha, região Surumu, filho de Régia Lúcia Oliveira e Leonildo dos Santos, é um dos jovens, junto com Eduardo da Silva Alfonso, 20 anos, Sinezio da Silva Mota, 22 anos, ambos da comunidade Lage, Centro Willimon, região das Serras e Geandro Alves da Silva, 20 anos, da comunidade Pedra do Sol, região Surumu, que representa bem o lema do próprio Centro: sabedoria, trabalho e paciência.

Formandos do CIFCRSS (Foto: Ascom/CIR)

Ao recordar da trajetória, Vitor citou o seu avô Manoel da Silva Oliveira, ex-tuxaua comunidade ( falecido), sendo a sua principal inspiração para entrar no Centro. “ Vai lá, estuda, busca formação e volta para contribuir com a nossa comunidade. A inspiração veio dele para estar no Centro ”, lembrou ele, dos conselhos do avô.

Vitor é consciente da responsabilidade e compromisso junto a sua comunidade, região e aos povos indígenas de Roraima. Definiu o momento como um ciclo que fechou, mas também uma nova jornada como liderança indígena.

É o fim de um ciclo, mas começo de uma grande jornada para nós”, expressou, o sentimento coletivo dos estudantes.

Ele também não deixou de apontar as dificuldades estruturais e pedagógicas do Centro, além da saúde, que passaram ao longo dos anos.

A gente passou por várias dificuldades, falta de professor, problema de saúde, mas nem por isso a gente desistiu. A gente persiste, porque o Centro é uma escola que abre mentes, forma jovens em lideranças, capacitados para assumir qualquer linha de frente”, refletiu.

Com a presença de familiares, lideranças e convidados, receberam o certificado de conclusão do ensino médio integrado ao técnico em Manejo Ambiental e Agropecuária, um momento histórico para esses jovens que passaram 4 anos superando desafios diários, inclusive a pior crise humanitária em 2020, ano da pandemia de Covid-19, quando tiveram que interromper os estudos e retornar à comunidade.

Convidados/Familiares/Liderenças – (Foto: Ascom/CIR)

Cerimônia histórica “ A sabedoria que nos move para o conhecimento de um futuro melhor”

Para celebrar esse momento com os estudantes, estiveram presentes, lideranças como o coordenador administrativo do Centro, Beto Caetano, o coordenador da região Surumu, Walter de Oliveira, o tuxaua da comunidade Barro, André Mota, o coordenador da TI Raposa Serra do Sol, José Arizona, a coordenadora de Juventude da Raposa, Carla Jarraira, a representante das mulheres, Marceliana Luis da Silva, a secretária do Movimento de Mulheres Indígena e membro da coordenação executiva do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Kelliane Wapichana, e a diretora do IFRR, Pierlangela Nascimento da Cunha, do Dsei-Leste, Zelandes Patamona, além de outros convidados.

Ao discursar na abertura do evento, Beto Caetano reafirmou a missão do Centro.

O Centro é preparado para essa juventude, preparado para essa caminhada. Então são filhos de vocês, somos nós, jovens, que estamos nessa caminhada de juventude. A cada dia vamos aprendendo cada vez mais”, considerou ele, ao também agradecer aos pais dos estudantes e demais lideranças por mais uma formação de jovens lideranças indígenas. “ A gente agradece essa corrente, essa mão dada, ao longo desses anos que enfrentamos no Centro de Formação. Siga em frente, vocês são guerreiros e estamos juntos”, concluiu.

O ex-coordenador, Bleide Ribeiro, atuou nos últimos 5 anos, também saudou os jovens.

Foram 5 anos de luta e batalha junto com esses jovens. Hoje é vitória, conquista, alegria e relembrar o que passamos. Foram vários momentos de desafios, mas também de conquistas”, saudou Bleide.

Com o terceiro mandato de coordenador regional, Walter de Oliveira, ressaltou que chegaram jovens e agora retornam, lideranças, as comunidades. “ Vocês chegaram jovens alunos e agora retornam às suas comunidades como jovens lideranças. Raposa Serra do Sol está de parabéns por receber mais quatro técnicos e isso ajudará muito na nossa luta, porque a gente precisa de pessoas para nos ajudar, nos assessorar”, ressaltou o coordenador, ao lembrar de outras lideranças que passaram pelo Centro nos anos de 2002, 2007, e que, segundo ele, “ viviam ameaçados, sem conseguir dormir”.

O atual e primeiro coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima ( Dsei-Leste/RR), Zelandes Patamona, também ressaltou a luta das lideranças indígenas. “ Esse momento que vocês estão vivenciando hoje é graças ao esforço, resistência e persistência dos senhores, mas principalmente, aos pais e mães, que sempre estiveram ao lado de vocês”, ressaltou o coordenador por mais uma etapa na vida dos jovens.

Pierlangela Nascimento (Foto: Ascom/CIR)

Também participando da cerimônia, a diretora do Instituto Federal de Roraima (IFRR), Pierlangela Nascimento da Cunha, povo Wapichana, uma das parceiras do Centro, reforçou sobre a importância da parceria e a sua ampliação para a melhoria da formação.

A parceria é uma parte, porque o mais importante é o que vocês levam daqui, a formação. É uma educação de resistência que o Centro trás. É genuíno, legítimo e fruto dos povos indígenas que pensaram e trabalharam pela necessidade das comunidades. Vocês estão sendo entregues, voltando como lideranças. Vocês são técnicos e lideranças, reforçou.

A pajé Mariana Macuxi, liderança tradicional e referência de luta, falou do uso do cocar, como um instrumento de luta de uma liderança e de responsabilidades. “ Desde que a gente coloca cocar na cabeça, é futuro. Esse cocar na cabeça é uma grande responsabilidade. Respeitem a nossa cultura e usem como liderança. Esse cocar marca a nossa floresta, nossa terra e o céu”, disse Mariana, ao encerrar com canto tradicional.

O Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização que faz parte do Conselho Diretivo do Centro, instância de debate e decisões, além de atuar na gestão e organização do Centro, também é proponente no funcionamento administrativo.

Jovens lideranças do CIFCRSS(Foto: Ascom/CIR)

“Queimaram nossas roupas, queimaram as nossas casa, mas não queimaram os nossos sonhos”, iniciou a secretária do Movimento de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR), relembrando uma frase expressada pelos alunos na época do incêndio, em 2005, causado em decorrência da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Até hoje, os escombros da destruíram permanecem no Centro.

Com a presença dos estudantes, Kelliane falou do momento significativo.

 

 

É um momento muito significativo para todos nós. Falando de alunos, estamos falando de lideranças, que estão saindo daqui novos líderes para ocupar vários espaços. É resultado de muita luta, persistência e de sabedoria”, refletiu, sobre o tema da formatura “ A sabedoria que nos move para o conhecimento de um futuro melhor”.

A Secretária agradeceu as parcerias institucionais, os colaboradores e, principalmente, os alunos.

Agradeço a todos, mas principalmente aos alunos. Onde tocam de fato os pés nas cinzas que ficaram nessa casa, como vocês muito bem conhecem”, agradeceu.

Aproveitou para informar sobre as perspectivas de fortalecimento, reestruturação, além da organização estrutural e pedagógica do Centro Indígena de Formação.

Na última semana, esteve em Brasília com uma comitiva da organização, buscando apoio e parcerias junto aos ministérios da Educação, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologias, Fundação Nacional dos Povos Indígenas ( Funai) e outros órgãos.

Beto Caetano Coord. do Centro de Formação – (Ascom/CIR)
Formatura (Fotos: Ascom/CIR)

 

Após receberem o certificado, os jovens passaram pelo ritual da devolutiva do CIFCRSS à região e comunidade. É o momento em que a escola devolve os alunos às suas comunidades e regiões, prontos para atuarem como lideranças e contribuindo no fortalecimento da sustentabilidade e na autonomia das comunidades de Roraima.

O estudante Eduardo da Silva Afonso fez a leitura do agradecimento coletivo. “ Agradecemos pela paciência, sabedoria, e pela luta em defesa dos nossos territórios”, disse em nota.

O coordenador do Centro Willimon, Elio Afonso, do povo Macuxi, e Irene da Silva Oliveira, povo Macuxi, ambos da comunidade Lage, representaram os pais dos alunos na cerimônia.

Atualmente, existem 18 alunos e esperam as novas indicações para os próximos anos, incluindo mulheres.

O lema do Centro “sabedoria, trabalho e paciência”, resume também a luta de mais de 50 anos de um movimento indígena que é referência regional, nacional e internacional. Um movimento de união, luta, resistência e conquista.