Em Roraima, a mobilização contra o marco temporal reuniu mais de 4 mil indígenas na Praça Ovelário Tames, em Boa Vista, no período de 5 a 9 de junho, consolidando- se como uma das maiores mobilizações indígenas no Estado. Houve também mobilização no Centro Makunaima, na Terra Indígena São Marcos.
Durante cinco dias, povos indígenas Wapichana, Macuxi, Taurepang, Patamona, Sapará, Yanomami, Ye`kuana, Wai-Wai e Ingaricó, tanto das regiões quanto os que vivem na cidade de Boa Vista, marcharam pelas principais ruas da capital roraimense contra o marco temporal, mas também contra o Projeto de Lei nº 490/2007 e que agora no Senado é chamado de 2903/2023.
Povos Indígenas de Roraima na marcha contra o marco temporal. Fotos: ASCOM/CIR
O julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, conhecido como o marco temporal, no dia 7 de junho, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi o principal foco da mobilização. Neste dia, foi montado um telão para o acompanhamento do julgamento, que resultou em mais uma vitória, com a decisão do voto contra do ministro Alexandre de Morais.
A mobilização também lembrou das violências e dos impactos aos territórios no Estado, como o garimpo ilegal, a expansão do agronegócio e invasões às terras indígenas. Como ato simbólico de luta e resistência, jovens, mulheres e até crianças, acenderam velas e ao redor faixas expressaram: “Lutamos pela vida” e “Fora Marco Temporal”. A vigília foi acompanhada de cantos tradicionais e espirituais.
O dia da votação – 7 de junho
A tensão foi grande. Em meio ao voto do Ministro Alexandre de Moraes, que votou contra o Marco Temporal, seguindo o relator, ministro Edson Fachin, e o pedido de vista (mais tempo para analisar o processo) do ministro André Mendonça, mais uma vez suspendeu o julgamento. Atentamente, o movimento indígena acompanhou a votação.
No dia do Julgamento as comunidades indígenas de Roraima acompanharam a retomada do julgamento do Marco Temporal. Fotos: Ascom/CIR
Em Brasília, a comitiva de lideranças indígenas composta por coordenadores regionais, mulheres e juventude, também acompanhou o julgamento em frente ao Congresso Nacional. O assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Cípio, e o coordenador regional das Serras, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Amarildo da Silva Mota, acompanharam o julgamento direto do plenário da Suprema Corte.
Após o julgamento, Ivo, disse “estivemos mais uma vez na missão para continuar a dizer que somos contra o Marco Temporal, dentro dele tem várias coisas muito ruins para nós povos indígenas, mas a gente avançou um pouco na discussão, como por exemplo, com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que seguiu o relator ministro Edson Fachin. Moraes, trouxe modificações a tese e tentou influenciar os demais ministros citando o povo Xokleng que sofreu violência na luta pelo território”.
Comissão de lideranças indígenas que participaram da mobilização em Brasília. Fotos: Ascom/CIR e Ascom; CIMI
Ainda conforme Ivo, o prazo para analisar o processo dura 90 dias, mas o julgamento pode ser retomado antes do tempo, e reforça a importância da união do Movimento Indígena de Roraima, que deve estar preparado para quando isso ocorrer. “Nós temos condições boas de manter o movimento, sem precisar do governo ou políticos, porque nós mostramos nossa independência, nossa autonomia e nossa força, contra o que nos prejudica, aqui não tem mão de nenhum deputado estadual, federal ou senador e eles não têm direito de falar por nós”.
Além de acompanhar o julgamento, a comitiva participou da marcha contra o Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União (AGU) e da marcha em apoio aos ministérios dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente, instituições bastante atacadas em decorrência da aprovação da Medida Provisória 1/154/23. Esses dois ministérios tiveram perdas de atribuições importantes, como a demarcação de terras indígenas que saiu do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e passou novamente para atribuições do Ministério da Justiça.
Na plenária da mobilização nacional, a comitiva também participou dos eventos, o seminário sobre direitos indígenas e o tira dúvidas sobre o marco temporal. A professora Cristiele Lima, do povo Wapichana, região Murupu, afirmou que vai compartilhar a experiência que viveu na Manifestação em Brasília com seu povo, “ vou levar todas as informações sobre o Marco Temporal para meus alunos e comunidade, para buscarmos mais união contra esse mal”, afirmou.
A luta continua
Amarildo Macuxi, liderança da região das Serras, terra indígena Raposa Serra do Sol, acompanhou o julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal, analisou o voto do ministro Alexandre de Moraes, como positivo para os povos indígenas, apesar do pedido de vista que causa preocupação.
“Nós, ainda estamos preocupados em relação ao PL 490 que tramita no senado como o projeto de lei 29/03, portanto, continuamos firmes na luta pelos nossos direitos originários garantidos na constituição federal”, afirmou, convocando o movimento indígena a continuar mobilizado.
Desde o início do julgamento, em 2021 e agora em 2023, o resultado segue com o cenário de 2×1, 2 contra o marco temporal e um a favor, e o pedido de vista do processo feito pelo ministro André Mendonça, o que significa a suspensão do julgamento.
Mobilização em Brasília: Fotos: ASCOM/CIR
Com a possível retomada da votação do marco temporal no STF, no prazo de 90 dias ou até mesmo antes do período estabelecido, o Movimento Indígena de Roraima seguirá com articulações e estratégias para enfrentar dias de lutas, e ecoar para o mundo porque são contra o marco temporal.O movimento indígena, é fruto da união dos povos indígenas de Roraima, que sempre lutaram incansável pelas garantias dos direitos, principalmente direito territoriais para ocupar cada vez mais espaços e ser protagonistas das suas próprias histórias. Uma história secular.
Marco Temporal no Senado
O projeto de lei 490/2007, aprovado na Câmara e que agora recebe o número de 2903/2023, que também instala a tese do Marco Temporal, como o nome já diz, determina que as terras indígenas são aquelas ocupadas pelos povos originários na data em que a constituição foi promulgada, ou seja, em 05 de outubro de 1988.
A proposta visa limitar a demarcação de terras indígenas, além de possibilitar a exploração do território. Outro ponto é o contato dos não indígenas com os povos isolados com a finalidade de explorar a terra. A bancada ruralista que compõe a maioria no senado federal, é a favor do marco temporal e quer celeridade na aprovação do projeto de lei. O PL significa o fim das demarcações de terras indígenas, uma vez que a lei transfere essa atribuição que na legislação é da União, no caso do Executivo, para o Legislativo, o Congresso Nacional, além de abrir as terras indígenas para várias explorações.