Mulheres indígenas da comunidade Camará valorizam saberes ancestrais com a produção da panela de barro e artesanatos

Por: Helena Leocádio – ASCOM/CIR

Valorização  Cultural

É no barracão no centro da comunidade indígena Camará, região Baixo Cotingo, município de Normandia, que as mulheres se reúnem para fazer as panelas de barros, utensílio usado para o preparo de alimentos dos povos indígenas e os artesanatos. A matéria prima do artesanato é encontrada em algumas regiões e em lugares sagrados do estado de Roraima.

Para realizar as atividades, aos poucos as mulheres chegam no local e já começam a separar o barro molhado. O processo inicia bem antes, primeiro é preciso ir buscar o barro (espécie de argila) no alto da serra, que fica próximo a comunidade. Existem três tipos, o barro vermelho, branco e preto.

Na tradição indígena, mulheres que estão no seu período menstrual não podem participar do processo. Segundo os mais antigos, a mulher pode ficar doente e a produção da panela pode não funcionar como deveria, ou seja, o resultado não fica como esperado. De acordo com a tradição, a questão menstrual funciona como uma regra.

Dona Cleide Mota, do povo Macuxi, tem 61 anos e aperfeiçoou a tradição da panela de barro por meio do curso de cerâmica que ocorreu na comunidade. Em suas mãos, o barro aos poucos vai ganhando forma, uma atividade que exige paciência e olhar fixo para não errar nenhum detalhe.

Ela conta que ficou um período sem fazer as panelas, mas, sempre que pode participa da atividade. Ela conta que é importante manter viva a cultura do povo indígena em especial o Macuxi.

“Sempre que eu posso, estou aqui ajudando minha comunidade e repassando o que eu sei. É bonito ver o resultado do nosso trabalho, uma tradição que começou antes da minha vó”, lembrou Cleide.  

A produção das panelas leva em média uma semana ou mais. É preciso separar o barro, peneirar, e só depois de molhar até que fique no ponto certo, pode preparar os moldes e então começa a fazer as panelas.

Otaviana Cunha, do povo Macuxi, aprendeu tudo isso na prática, já fez tigela, copo, panelas, pratos e sabe que é preciso compartilhar o conhecimento para manter viva a cultura do seu povo.

 “Aprender a fazer a panela de barro foi uma oportunidade para manter viva a nossa cultura e eu quero levar pra frente compartilhar com outros jovens”, disse a jovem.

A agente de saúde, Lucineide Lima, do povo macuxi, estava à beira do fogo queimando panelas, essa etapa é uma espécie de teste de resistência, se não quebrar ou rachar o utensílio está pronto para ser usado.

“A queima da panela é o último passo, ficar até quatro horas no fogo é um teste para saber se a panela vai resistir ou não, depois pode fazer comida”, explicou Lucineide.

Ela lembra com orgulho que a avó fazia o trabalho com cerâmicas, uma tradição que iniciou com os seus antepassados que é passada de geração em geração.

Manuel Carlos, 51 anos, aprendeu a arte da trança em 1993, a palha do buriti é a matéria prima usada por ele para fazer cestos, abanador e bolsas e outros.  A darruana é um dos artesanatos que Manuel faz com excelência.

“É uma tradição que precisamos manter viva, por isso, é importante repassar pros nossos jovens, eu aprendi na escola e hoje eu estou aqui na comunidade Camará, são coisas dos nossos antepassados, que não devemos esquecer”, afirmou Cunha.

As panelas de barro, os artesanatos de sementes, plumas e palhas produzidos são colocados à venda na casa de cultura wîrisan Yamî Yewî, construída com ajuda do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e demais parceiros. (colocar o link da matéria sobre a casa de cultura)

Na Casa de Cultura, cada artesão expõe as peças feitas com todo carinho e cuidado, as artes tradicionais tem suas características e valores, as panelas chegam a custar 250 reais dependendo do tamanho.

A coordenadora de mulheres da região Baixo Cotingo, Nelia Lima explicou que o espaço foi pensado junto com a comunidade, para fortalecer e empoderar as mulheres artesãs.

“Buscamos apoio para ter a casa de cultura, e hoje temos esse espaço para comercialização dos artesanatos, o local veio para somar. Aqui compartilhamos os saberes, as dificuldades e também os problemas que temos, e assim acolhemos e fortalecemos umas às outras”, pontuou Nelia, agradecida por todo o conhecimento,  adquirido com a sua mãe, aprendendo a fazer colares, brincos e pulseiras, seja de sementes ou plumas.

Produção de panela de barro, artesanatos de sementes, fibras ou plumas, canto na língua materna e o tradicional parixara, tudo é essencial, para manter viva a cultura e a identidade indígena.

Camará –  tem uma população de 313 pessoas e 56 famílias, apesar de algumas perdas, como a língua materna, as tentativas de manter os conhecimentos tradicionais são diversos. Nas sextas-feiras, por exemplo, tem a sexta cultural, onde a comunidade se reúne para produção de artesanatos, com cantos, danças e partilhas de conhecimentos. Um fortalecimento para continuar os saberes deixados pelos ancestrais.