Um dos instrumentos cada vez mais utilizados para solucionar conflitos internos e fortalecer a autonomia das comunidades indígenas são os regimentos internos, ou normas, conforme estabelecidas pelas próprias comunidades, respeitando os seus costumes e a organização social.
Para acompanhar mais uma ação de aplicação das normas internas, a equipe jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Junior Nicacio e Fernanda Félix, estiveram nos dias 27 e 28 de março, no Polo de Conciliação e Mediação Elias Souza, na comunidade indígena Maturuca, na região das Serras, na terra indígena Raposa Serra do Sol. A ação também contou com a presença da coordenadora regional dos Operadores em Direitos Indígenas da região Surumu, Francinete Garcia Fernandes, do povo macuxi.
No Polo Indígena, acompanharam o julgamento envolvendo moradores de duas comunidades indígenas da região das Serras, Barreirinha e Pedra Branca. No julgamento, estiveram presentes lideranças indígenas e os mediadores, Gregório de Lima, Jacir Filho, Mara Macuxi, Marilene Macuxi.
A decisão do julgamento baseou-se no regimento regional da Serras que, historicamente, utiliza as práticas culturais para resolver as questões internas, na área penal e civil, conforme explicou Junior Nicacio.
“Para nós da assessoria jurídica do CIR, a resolução dos conflitos internos é o exercício da autonomia dos povos indígenas, mesmo que suas regras não estejam escritas a decisão coletiva tem força de lei. Por exemplo, a região das serras foi a pioneira em aplicar suas normas, no caso conhecido como “Caso Basílio”, ao qual a Justiça Federal reconheceu as Normas dos Macuxis da região Serras”, lembrou Nicacio.

Embora as leis indígenas não estejam escritas ou registradas, são respaltadas juridicamente na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1998, que garante a organização social dos povos indígenas, conforme explicou o assessor jurídico Junior Nicacio.
No dia 28, assessoria jurídica atendeu o Tuxaua Severino Macuxi da comunidade Enseada, que apresentou a decisão da comunidade sobre um fato envolvendo dois jovens. Na ocasião, Fernanda Félix reforçou que as leis indígenas podem ser aplicadas na comunidade com base em seus costumes e tradições culturais.
“Analisamos com êxito a resolução de conflitos pelas comunidades, tendo em vista que fortalece a autonomia e a organização social dos povos originários”, esclareceu Fernanda, ao citar os tipos de Regimentos, regionais ou comunitários.

Reforçou que em casos, como o da comunidade Enseada, a decisão fixou condições de acordo com a tradicionalidade dos povos indígenas.
Atualmente, coordenado pela professora Mara Macuxi, o Polo leva nome em homenagem ao professor e liderança indígena “Elias Souza”, do povo Macuxi, morador da comunidade Maturuca, falecido em 2021, vitíma de Covid-19.
Para a coordenadora, o polo não substitui a autonomia das lideranças indígenas. “O trabalho consiste em mediar os conflitos com base na demanda apresentada pelos tuxauas e não substituir a autonomia das lideranças”, explicou Teixeira.
Também esclareceu que atuação é restrita às comunidades indígenas da região Serras, município de Uiramutã, que faz parte da Comarca de Pacaraima, e atende uma população de aproximadamente 15 mil indígenas e 78 comunidades.
Polo de Conciliação e Mediação “Elias Souza”
O Polo de Conciliação e Mediação Indígena “ Elias Souza”, é o primeiro do Brasil, inaugurado em 2015, com a presença do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), à época presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Lewandowski.
A inauguração ocorreu com a entrega do certificado de conclusão do curso de Conciliadores e Mediadores aos primeiros 16 indígenas conciliadores do Brasil.