Lideranças indígenas da região Serra da Lua, reunidas em reunião extraordinária, no último dia 25, na comunidade Jabuti, denunciaram ao Ministério Público Federal (MPF), a aprovação do PL 412/3023 pela Câmara Municipal e sancionada pelo Prefeito, por violação ao Protocolo de consulta da região, instrumento jurídico das comunidades garantido na Constituição Federal Brasileira e Convenção 169 da OIT.
A Lei trata da contratação de administradores regionais ou auxiliares, como capatazes e Tuxauas (membros da comunidade), para auxiliar a prefeitura e fiscalizar os bens municipais que estão instalado nas comunidades. Porém, as lideranças afirmam que a lei foi proposta e aprovada sem prévia consulta às lideranças, principalmente das 17 comunidades citadas.
A reunião ocorreu no barracão comunitário Fotos: Ascom Cir
Para o vice-coordenador dos Tuxauas, Lázaro Wapichana, a Lei feriu o Protocolo de Consulta da região Serra da Lua. “Passou por cima do nosso Protocolo de Consulta. Não consultaram nenhuma das comunidades e nenhum tuxaua também. Mesmo o secretário dizendo que os tuxauas não passam a ser um funcionário da prefeitura, mas, independentemente disso, isso é chamado de funcionários da prefeitura”.
As lideranças ainda relataram ao MPF, que a imposição da Lei está causando desentendimento dentro das comunidades indígenas, impactando a organização social da região. Lázaro disse que não é contra a Lei, porque ela contribui com os tuxauas a se deslocar das comunidades, porém, questiona a falta de consulta previa às comunidades.
“Não sou contra a lei, porém, foi criada sem consulta das lideranças e feriu nosso Protocolo de Consulta. E isso está trazendo desentendimento nas nossas comunidades, principalmente os nossos tuxauas. “Queremos que o MPF intervenha, melhore a redação, e traga esclarecimento para as nossas comunidades” pediu o Tuxaua.
Assessores Jurídico do CIR Júnior Nicácio e Ivo Makuxi e o Procurdor da República Alisson Marugal Fotos: Acom /Cir
Na deliberação final da assembleia extraordinária, as lideranças pediram que o MPF apresente um parecer jurídico para intervir na lei 412/2013 e 020/de 2022. Esse último é do município de Cantá, que também adotou o mesmo sistema de cargo às lideranças das comunidades.
As lideranças pediram que o MPF intervenha sobre a questão e afirmaram que a decisão “é da comunidade e não a decisão do prefeito”.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) participou da reunião e de acordo com a denúncia também se manifestou sobre o assunto. Ao analisar a Lei e a manifestação das lideranças indígenas, o assessor jurídico, Junior Nicacio, reforçou o respeito ao Protocolo de Consulta da região Serra da Lua.
“ A consulta é um direito constitucional previsto no art. 231 da CF/88 e na Convenção 169 da OIT, e é dever do governo consultar os povos indígenas, de forma previa, livre, de boa-fé, informada e culturalmente adequada. A lei municipal não pode ir contra a Constituição Federal”, reforçou Nicácio.
Após ouvir as lideranças, o Procurador da República, Alisson Marugal, reforçou o direito a consulta dos povos indígenas sobre qualquer medida legislativa e administrativa e colocou- se à disposição para mediar a demanda junto à Prefeitura.
Protocolo de Consulta – O Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas da Serra da Lua foi aprovado em 2019, para fortalecer a organização social das comunidades indígenas da região, que abrange dois municípios, Bonfim e Cantá. A região é formada por nove terras indígenas, 22 comunidades e uma população de mais de 10 mil indígenas, segundo o último dado do Distrito Leste de Roraima.
Outras denúncias
Os tuxauas aproveitaram a presença do MPF e denunciaram também as ameaças às terras indígenas, a precariedade na saúde e educação. Também houve esclarecimentos quanto aos procedimentos sobre o projeto do complexo termelétrico, empreendimento da Usina Hidrelétrica do Bem Querer (UBQ) e o Linhão de Tucuruí, além de outras pautas voltadas à organização social da região.
Também solicitaram que o MPF acompanhe e mantenha a consulta às comunidades indígenas e alertaram sobre os impactos da Usina de Bem Querer, caso seja construída, às terras indígenas e outras localidades, como o Baixo Rio Branco, onde vivem ribeirinhos, pescadores e demais moradores.