PGTAs: últimos planos de gestão territorial e ambiental são construídos em Roraima

Os conhecimentos, saberes e os costumes tradicionais, os recursos naturais e a beleza da mãe-terra, são fontes de vida dos povos originários que se tornam páginas e viram documentos, sendo um instrumento a mais de afirmação e reafirmação de existência milenar, no passado, presente e futuro. Como exemplo dessa construção e transformação na Amazônia e no Brasil, estão os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), construídos pelas próprias comunidades indígenas em Roraima.

Com a coordenação do Departamento de Gestão Territorial e Ambiental (DGTA) do Conselho Indígena de Roraima (CIR), no período de 2 a 11 de maio, na comunidade indígena Araçá, região Amajari, foi realizada mais uma atividade regional para a construção dos últimos quatro planos de gestão no estado de Roraima.

 

Uma atividade histórica no Brasil, onde reuniu mais de 150 lideranças indígenas, entre Tuxauas, mulheres, jovens e crianças que, em apenas 11 dias, construíram seus planos para um bem viver coletivo a curto, médio e longo prazo, além de fortalecer a sua autonomia, organização social, política e econômica.

Foram construídos os planos das terras indígenas, Sucuba (Alto Cauamé) e Truaru (Murupu), e das regiões Amajari e Tabaio. São os últimos territórios em Roraima a construir o seu plano e somam-se aos demais territórios, Manoá-Pium, Raposa Serra do Sol, São Marcos, Wai-Wai e aos primeiros, Centro Maturuca e terra indígena Jacamim.

Com base em uma metodologia própria, ao longo dos dias, em grupos de trabalhos temáticos sobre como construir um plano, uso e manejo dos recursos naturais, cuidar do território com olhar para dentro e para fora da comunidade, com foco no direito e habilidades tradicionais, as lideranças desenvolveram seus planos.

A construção busca fortalecer o modo de fazer gestão do território, mas também parceria do poder público e outras entidades para transformar os sonhos em realidades, sonhos de um meio ambiente limpo e preservado, recursos naturais protegidos, saúde e educação de qualidade, além da própria sustentabilidade das comunidades indígenas à base de uma agricultura fortalecida e orgânica.

A construção busca fortalecer o modo de fazer gestão do território, mas também parceria do poder público e outras entidades para transformar os sonhos em realidades.

Além dos planos, o documento reúne as preocupações antigas e atuais, como as invasões de garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais, o desmatamento, e de políticas públicas que ainda não são eficazes para as demandas dos povos indígenas.

No último dia (11), as lideranças das duas terras indígenas e regiões, apresentaram o resumo dos planos às instituições públicas e entidades parceiras, na atividade de pactuação.

A coordenadora do DGTA e gestora ambiental, Sineia Bezerra do Vale, definiu a atividade como um desafio que deu certo e que é possível construir planos de gestão em 10 dias, um fato inédito no país.

“Então, hoje a gente concluiu todas as terras indígenas, comunidades e regiões. Para nós foi um desafio construir quatro planos de vida em 10 dias, e esse desafio foi aceito pelas comunidades, terras e regiões. Hoje finalizando esse trabalho dizendo ao Brasil que dá certo construir os planos de vida em 10 dias, porque todo esse plano está na memória das lideranças, jovens, mulheres e das crianças. Apenas temos uma metodologia que ajuda a colocar isso no papel”, ressaltou a Sineia.

Na apresentação do plano da região Amajari, o professor Wesley Barroso Tenente, após fazer o resumo do plano, com todas as potencialidades regionais, culturais, econômicas e sociais, refletiu que os povos indígenas devem caminhar com um rio. “A gente pode caminhar sozinho e juntos, mas nunca se esgotar. Se esgotar no entusiasmo, na vontade de luta, para manter sempre o orgulho, manter toda a nossa riqueza material e imaterial para daqui 30 a 50 anos”, refletiu o professor. A região Amajari tem 21 comunidades, quatro povos, Macuxi, Wapichana, Taurepang e Sapará e uma população de aproximadamente 5 mil indígenas.

Professor Wesley Barroso Tenente, após fazer o resumo do plano, com todas as potencialidades regionais, culturais, econômicas e sociais, refletiu que os povos indígenas devem caminhar com um rio.

O Tuxaua Pedro da Silva, da comunidade Anta I, representando cinco comunidades da região do Tabaio, Anta I e II, Pium, Barata e Livramento, na apresentação do plano de vida, pontuou as potencialidades regionais na área da agricultura, pecuária, piscicultura e todos os recursos naturais da região, mas também alertou para os graves problemas ambientais que enfrentam, como a poluição dos rios, principalmente o Uraricoera e contaminação de peixes por mercúrios em decorrência do garimpo ilegal na terra indígena Yanomami.

“Nós temos bastante peixe, o único rio que passa no limite da comunidade Pium é o Uraricoera, rico em peixes, mas nos últimos dias do ano passado e esse ano também, passamos por uma dificuldade tão grande. Peixe que você é acostumado a cozinha, só na água e sal, tem alguns peixes que quando coloca cria uma espuma e mal cheiro”, relatou a realidade da comunidade Pium afetada com o garimpo.

O Conselho Indígena de Roraima (CIR), uma organização que há 50 anos luta em defesa dos direitos, principalmente territoriais, também tem atuado pelo bem viver das comunidades indígenas, fortalecendo a autonomia, organização social e gestão do território.

Os coordenadores do CIR, Edinho Batista e Enock Taurepang, estiveram no encerramento reafirmando o compromisso com as comunidades e também na busca pela implementação dos planos. “Sempre tentaram abafar o protagonismo indígena, mas nunca conseguiram. E hoje, com a construção dos planos, mostramos de verdade quem nós somos, e o que a gente pode ser, sem deixar de ser quem somos hoje. Essa juventude, as mulheres e o que construímos aqui, não foi apenas para colocar no papel, porque esse plano aqui tem vida. E nós estamos aqui, planejando não somente o futuro dos povos indígenas, mas do planeta”, frisou Edinho.

O vice-coordenador, Enock Taurepang, originário da comunidade Araçá, considerando o contexto político e a atual conjuntura da presidência da República, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, manifestou preocupação com o bem viver das comunidades e refletiu sobre a implementação dos PGTAs. Também pediu respeito e valorização às comunidades indígenas, aos agricultores, e a todos que vivem em sociedade. “Vamos tirar o câncer de nossas mesas, vamos colocar saúde e produção, e que de fato fique na nossa mesa e não vai para outros países”, questionou Enock sobre o projeto de grão do Governo, implantado nas comunidades indígenas e que não sabem a destinação dessa produção.

Estiveram presente firmando compromisso e apoio aos PGTAs, a Coordenação Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima (Dsei-Leste), Diretoria de Educação Indígena (DEI), Instituto Federal de Roraima ( IFRR), Secretaria de Estado dos Povos Indígenas ( SEI), Embrapa/RR e demais Secretarias do Governo de Roraima, além da Diocese de Roraima.

A atividade foi coordenada pela gestora ambiental e coordenadora do Departamento de Gestão Ambiental e Territorial do CIR (DGTA), Sineia Bezerra do Vale, com o apoio de toda equipe do setor e parceiros, como a Nia Tero.