Celebrar para resistir, resistir para celebrar

A celebração dos 50 anos do CIR, que foi realizada no mês de janeiro de 2023, ainda repercute dentro do movimento indígena de Roraima. Marcada por 04 dias, de 16 a 19 de janeiro, no Centro Regional Lago Caracaranã, Terra Indígena Raposa Serra do Sol, marco principal da conquista do movimento indígena de Roraima. A comemoração trouxe lideranças de Roraima e do Brasil, reunindo de 2 a 3 mil pessoas, dos povos macuxi, wapixana, taurepang, ingaricó, yekuana, wai wai yanomami, baré, sapará, surui e yanomami, entre outros povos e parceiros.

Lideranças tradicionais de com o feixe de vara, que é o simbolo da luta do Movimento Indígena de Roraima.

Com ênfase na história da luta, os tuxauas tradicionais contaram a trajetória a partir da década de 1970, quando foi realizada a primeira Assembleia na Região Surumu. O que muitos afirmam é que a reunião foi realizada no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS), na Comunidade Barro. Mas segundo a liderança tradicional Euclides Pereira, a Assembleia foi feita na Missão São José na mesma região. Esta foi dissolvida durante o debate das lideranças, justamente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e pelo exército, pois a lei imposta de forma branda as lideranças indígenas não lhes permitiam reunião, cabendo ao estado sua tutela, o ano era 1971.

Na abertura da celebração, a pajé Mariana do povo Sapará fez a defumação e o ritual da Pimenta no olho, pedindo aos espiritos a proteção.

Recontada um pouco da história, a partir das décadas de assembleias, as lideranças veem que muitas de suas dificuldades e violências sofridas vinham da mesma forma e muitas vezes dos mesmos mentores, o estado, fazendeiros e garimpeiros. Desde lá, são 51 assembleias e junto a ela 52 anos do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que planeja, institui e complementa o movimento indígena. Devido à pandemia da COVID-19, a celebração não pôde ser realizada nos anos de 2019 e 2020.

Vice-Coordenador Enook Taurepang em discurso/ Lideranças erguem o feixe de varas durante a celebração. O Feixe é o símbolo de união dos povos indígenas de Roraima.

Dentro da celebração, foi feita a recepção de todas as delegações junto a defumação com Maruai, pela pajé Mariana e a dança Tukui, comemorando a chegada de visitantes, convidados e parceiros. Ainda no primeiro dia (16), duas jovens realizaram ainda a leitura do histórico do CIR, rememorando as lutas e as primeiras coordenações, a partir de Terêncio Luiz da Silva, primeiro coordenador geral e Jacir José da Souza, vice coordenador, ambos do povo macuxi a partir de 1989 a 1990, até os atuais coordenadores na décima primeira coordenação, desta vez como executiva, com Edinho Batista Macuxi, Enock Taurepang e Maria Betânia Macuxi como Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas da organização.

Joênia Wapichana foi recepcionada com festividade, pois na época estava prestes a ser nomeada primeira indígena Presidente da Funai, como já havia sido após a indicação das lideranças de Roraima, a primeira Indígena do estado a assumir uma cadeira na câmara federal de deputados em Brasília.

As coordenações de 1989 a 2023 realizaram uma sucinta e minuciosa avaliação e contaram um breve histórico de suas gestões. Com destaque as lutas e as manobras para ir conquistando os espaços no estado que cada vez mais oprimia e procurava saturar a luta com discursos de ódio, até mesmo por parlamentares das décadas de 1990 e os atuais. Os jovens presentes reafirmaram que a luta não termina com as demarcações ou homologações, mas com a resistência e a insistência. E ainda homenagearam as lideranças que ao longo do tempo foram mortas pelos invasores. Com uma homenagem especial aos três coordenadores do CIR falecidos, entre eles Dionito José de Souza, referência na luta pela T.I Raposa Serra do Sol e ferrenho defensor da educação e saúde indígena.

Foram homenageadas os que estão ainda na linha de frente no movimento indígena, como Clovis Ambrósio da região Serra da Lua, Jacir José de Souza, T.I Raposa Serra do Sol, Terêncio Macuxi, T.I Raposa Serra do Sol, Noberto Cruz, Serra da Lua, Lavinia Macuxi, região Serras, entre outros que fazem parte do incansável movimento indígena. Na ocasião, foi exibido na noite cultural o Documentário “CIR 50 Anos” produzido pelo departamento de Comunicação do CIR, com o apoio do Coletivo 105, NCI e IEB.

A Ordem de Coordenações do Conselho Indígena de Roraima:

1ª Coordenação – 1989 a 1990 Coordenador geral – Terêncio Luiz Silva – Macuxi – região Surumú Vice-coordenador – Jacir José de Souza – Macuxi – região Serras

2ª Coordenação – 1990 a 1992 Coordenador geral – Clóvis Ambrósio – Wapichana – região Serra da Lua Vice-coordenador – Valdir Tobias

3ª Coordenação – 1993 a 1994 Coordenador geral – Euclides Pereira – Macuxi – região Surumú Vice-coordenador – Clóvis Ambrósio – Wapichana – região Serra da Lua

4ª Coordenação – 1995 a 1996 Coordenador geral – Nelino Galé – Macuxi – região Baixo Cotingo Vice-coordenador – José Adalberto – Macuxi

5ª Coordenação – 1997 a 2000 Coordenador geral – Jerônimo Pereira – Macuxi – região Tabaio Vice-coordenador – Desmano de Souza – Macuxi – região Raposa

6ª Coordenação – 2001 a 2005 – dois mandatos Coordenador geral – Jacir José de Souza – Macuxi – região Serras Vice-coordenador – Noberto Cruz – Wapichana – região Serra da Lua Secretária- Lavínia Macuxi- região Serras

7ª Coordenação – 2005 a 2006 Coordenador geral – Marinaldo Trajano – Macuxi – região Baixo Cotingo Vice-coordenador – Jairo da Silva – Macuxi – região Murupú. Secretária_ Luciana Lima Pinto – Macuxi – Baixo Cotingo

8ª Coordenação – 2007 a 2009 Coordenador geral – Dionito José de Souza – Macuxi – região Serras Vice-coordenador – Terêncio Salomão – Wapichana – região Serra da Lua Secretária-Marizete de Souza- Macuxi- Região Serras

9ª Coordenação – 2011 a 2017 – três mandatos Coordenador geral – Mário Nicácio – Wapichana – região Serra da Lua Vice-coordenador – Ivaldo André – Macuxi – região Serras Secretária-Telma Marques- Taurepang- região Amajarí

10ª Coordenação – 2017 a 2019 Coordenador geral – Enock Tenente – Taurepang – região Amajarí Vice-coordenador – Edinho Batista – Macuxi – região Serras Secretária- Maria Bethânia Mota de Jesus- Macuxi- Região Amajarí

11ª Coordenação – 2021 – mandato em vigência Coordenador geral – Edinho Batista – Macuxi – região Serras Vice-coordenador – Enock Tenente – Taurepang – região Amajarí Secretária – Maria Bethânia Mota de Jesus- Macuxi- região Amajarí.

A Presença de lideranças indígenas de âmbito nacional também foi um dos grandes marcos da Celebração. Alcebias Constantino, do povo Sapará / Coordenações das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB, Toya Manchinere/ COIAB, Beto Marubo/ UNIVAJA, Darcyr Marubo/ Aliança dos Povos Indígenas e Afrodescendentes da Nicarágua – APIAN, Almir Surui, Marivelton Baré/ Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, além de representantes e parceiros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Universidade Federal de Roraima, Instituto Socioambiental, UNICEF, Instituto de Internacional de Educação do Brasil – IEB, FUNDAÇÃO FORD, USAID, NIATERIO, Rede de Cooperação Amazônica, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, CAFOD e Nature Culture International – NCI entre outros colaboradores e apoiadores da causa indígena.

Conforme o Vice-coordenador do CIR, Enock Taurepang a celebração não é somente para celebrar, mas realizar uma autocrítica quanto movimento indígena do que foi conquistado até o momento. “O que continuamos mantendo como fortaleza? Onde erramos nessa caminhada? Estes dias que se passaram foram de análise, onde conversamos, contamos histórias, assim como o CIR nasceu, nós revivemos isto nos dias que se passaram, as nossas lideranças lá no início vieram contar a história aos seus netos, filhos, parentes, estamos revivendo a criação do nosso movimento, pois foi desse jeito que iniciou. Como eles citam, não havia muitos planos, se reuniam para ouvir mutualmente e assim realizamos uma reflexão dessa história. Então, aos próximos 50 anos, o que queremos, é que a juventude, pai e mãe de família possam sonhar com uma vida próspera, com o bem viver, e que este sonho possa se realizar dentro das comunidades e nos territórios indígenas”, afirmou. “Quando eles (lideranças) pararem de caminhar, falar e ouvir, nós seremos, sua força, voz, ouvidos e caminhar. Enquanto nosso criador nos permitir lutar, estaremos aqui por nossos territórios de forma harmoniosa e amorosa junto a mãe terra.”, finalizou Taurepang.

Almir Surui, liderança do povo Surui de Rondônia, frisou a importância do privilégio e a honra de ser convidado. “Para mim é uma grande reflexão do movimento indígena e dos povos indígenas de Roraima por esta luta e desafios que enfrentaram durantes estes 50 anos. Estivemo grandes aprendizados, pois todas as conquistas têm um caminho a trilhar com estratégias. O CIR é um exemplo como organização, que mostra que a existência dos direitos dos povos, devem ser respeitados pelas instituições e a sociedade, pelo mundo que desconhecem quem são esses povos que contribuem ao bem comum da humanidade, povos indígenas.” Disse Amir Surui.

O advogado Paulo Machado Guimarães, disse que a organização é a expressão altiva e combativa dos povos indígenas do Brasil. “Não existe uma organização indígena com a dedicação, compromisso e mobilização dos povos e suas lideranças, por um período tão longo como o CIR, de forma estruturada, dedicada, com uma formulação política própria, com a agregação de todos os povos de Roraima de uma forma sistemática e consequente na organização e de um projeto de luta conforme os seus interesses. Tenho o privilégio de acompanhar a luta do CIR, de duas lideranças desde 1983, quando ainda era um território federal, em um momento de reafirmação dos povos, onde eram perseguidos e presos. Foi neste contexto que junto a colegas do Conselho Indigenista Missionário do Norte – CIMI, que buscava impetrar os habeas corpos aos povos de Roraima, e que na época os próprios desembargadores viram uma verdadeira campanha de perseguição, e atendiam aos pedidos. Eu sou um fã das lideranças indígenas de Roraima, eu considero a organização mais sólida e importante, regional e local do país, sem tirar o mérito de outras organizações de outros estados.” Afirmou o advogado.

Mayra Wapichana, foi a primeira indígena Jornalista no CIR e atuou como assessora de Joenia Wapichana, enquanto atuava como Deputada Federal por Roraima, para ela é uma satisfação, podendo vivenciar e conhecer ainda mais o que foram os 50 anos do CIR. “Entre as muitas conquistas estão a da comunicação indígena, pois é também parte desta trajetória de luta a décadas em que as lideranças já possuíam seus meios de comunicação, interação, estratégias de articulação e organização e de fortalecimento desta luta. A comunicação indígena veio para fortalecer a agregar, onde também faço parte desta história como jornalista atuando pelo CIR e também ampliando esta formação através dos comunicadores indígenas e outros profissionais que saem da universidade. E hoje ver a Rede de Comunicadores Wakywai atuando neste espaço e registrando essa memória faz parte dessa trajetória.” Afirmou Mayra.

A celebração teve a exposição de produtos orgânica das comunidades indígenas, sendo marcada  pela valorização da cultura, arte e cantos tradicionais, e o plantio de duas arvores símbolos da luta e da trajetória do movimento indígena. Outro ponto importante foi a realização dos atos simbólicos a favor dos povos Yanomami, com a formação do SOS em prol da campanha de ajuda e da imediata retirada dos garimpeiros do território.

Fotos: ASCOM -CIR e Comunicadores da Rede de Comunicação Indígena Wakywai