Justiça Federal extingue ação judicial contra as atividades de proteção, vigilância e monitoramento territorial das comunidades indígenas da TI Raposa Serra do Sol

Em sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal, foi extinta sem resolução de mérito a segunda ação da SODIURR contra as atividades de proteção, vigilância e monitoramento territorial na TI Raposa Serra do Sol. Além de extinguir o processo, o juízo considerou que as atividades são realizadas por conta da omissão do Estado em promover a proteção dos povos e terras indígenas contra a invasão territorial, do garimpo ilegal.

Pelos danos sofridos pelas comunidades indígenas, em especial pela atuação da PMRR, o juiz determinou multa à SODIURR, investigação sobre atuação do seu advogado e recomendou ao MPF ajuizamento de ação cobrando indenização.

Confira um trecho da sentença do Juiz Felipe Flores Viana:

Jamais presenciei tamanho desprezo e desrespeito pelo Poder Judiciário em quase 10 anos de judicatura. […] Não houve ‘somente’ indução em erro do Poder Judiciário. A banalização com que exerceu o direito de ação causou, de forma direta e imediata, graves danos à integridade física e psicológica de brasileiros indígenas”.

 

Que prosseguiu, verbalizando sobre o episódio de violência policial de 16/11/2021, na comunidade Tabatinga, T.I Raposa Serra do Sol, que deixou 12 lideranças indígenas feridos, através do uso de armas letais,  e não letais:

“[A liminar] foi devidamente cumprida voluntariamente no dia 18/08/2021, […]. Sucede que, pouco depois, a SODIURR promoveu novo pedido, […] e mesmo sem o pronunciamento de qualquer autoridade judiciária a respeito desse pedido, foi ele de alguma forma truculentamente conhecido e cumprido pela PMRR […] De toda forma, a atuação processual da SODIURR foi a causa do combate direto entre a PMRR e indígenas, com policiais e indígenas feridos, sendo que estes se qualificam como pessoas em situação de vulnerabilidade.”

Lideranças Feridas no ataque ao posto de Vigilância Tabatinga

E prossegue:

“Ainda que, efetivamente, a Polícia Militar tenha o dever de agir de ofício, muitas dúvidas e indagações surgem a respeito dos motivos reais que levaram-na a ingressar em terra indígena (bem de propriedade da União, art. 20, XI, CR/1988) e quais interesses ela realmente estava protegendo a pretexto de liberar rodovia estadual.”

Sobre a SODIURR, o juiz determinou que:

“Em resumo, verifica-se por essa demanda como o irresponsável e abusivo comportamento processual de uma parte pode ser pernicioso e causar danos reais às pessoas. […] Sinteticamente, manipulou e tentou adaptar o sistema judicial para atender exclusivamente aos seus interesses, sendo certo que são as pessoas que devem se adequar às regras estabelecidas […] Finalizando, não posso deixar de pontuar que causa espécie verificar que uma das finalidades da SODIURR estabelecidas no art. 2º, II, de seu ato constitutivo, datado de 29/09/1993, ou seja, posteriormente à redemocratização, é a integração de indígenas à sociedade brasileira, de modo a acabar com sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições imemoriais para fins de aculturá-los, chocando-se frontalmente com a política constitucional de interação prevista no art. 231 da Constituição da República, e no art. 8º da Convenção n.º 169 da OIT, adotando como ideologia, sem nem menos valer-se de entrelinhas, explicitamente o assimilassionismo.”

A sentença determinou extinção da ação (sem resolução de mérito), e ainda:

(i.) MULTA À SODIURR POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ (intuito de usar a ação com objetivos ilegais), E EMITIU MULTA VALOR DE 10 (DEZ) SALÁRIOS-MÍNIMOS, DEVIDA EXCLUSIVAMENTE EM FAVOR DO CIR;

(II.) QUE A OAB/RR APURE SE O ADVOGADO DA SODIURR VIOLOU O CÓDIGO DE ÉTICA DO ESTATUTO DA OAB;

(III.) QUE O MPF PLEITEIE NA JUSTIÇA A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS SOFRIDOS PELAS COMUNIDADES INDÍGENAS EM DECORRÊNCIA DA AÇÃO JUDICIAL E DAS AÇÕES POLICIAIS NA TERRA INDÍGENA. DA AÇÃO, CABE RECURSO DE APELAÇÃO.

Na Justiça Federal, além desta ação, SODIURR ajuizou uma similar que teve sentença em março de 2020 com o mesmo teor. E também ajuizou habeas corpus, que iniciado na justiça estadual, foi remetido à federal e depois extinto.

Na justiça estadual, ajuizou outra ação similar na Comarca de Pacaraima, e uma idêntica no plantão judicial na Comarca de Boa Vista. Ou seja, foram pelo menos cinco ações com teor similar e todas com o mesmo resultado, extintas sem resolução de mérito.

O que determina a importância desta sentença, no entanto, é que foi no bojo desta ação que houve tantas violações de direitos dos povos indígenas e tamanha violência policial. Foram episódios de truculência que não eram vistos na Raposa Serra do Sol desde os tempos da luta pela demarcação, na década de 2000.

O Vice – coordenador do CIR, Enock Taurepang, agradeceu o reconhecimento em juízo da ação das lideranças indígenas.

 

“Essa série de sentença ela já era esperada por nós, pois é muito claro a forma que tudo aconteceu, é um descaso total eh dessas pessoas

que tomaram essas decisões, mas isso prova que vale a pena acreditar na justiça, vale a pena não fazer, coisas erradas

tudo que o movimento indígena de Roraima faz é muito bem pensado, não é pensando em uma família só, em uma pessoa só, é pensado no bem viver das comunidades indígenas.

Pena que muitas pessoas não entendem isso. Ou simplesmente não querem entender. Mas o Conselho Indígena de Roraima ela é essa organização que foi criada sabiamente, pelos tuxauas pelas lideranças e com um propósito muito claro de defender, o de fato o direito coletivo e não o direito individual.

Então a gente parabeniza a justiça, parabenizo as pessoas que fazem com que essas leis de fato aconteçam, e a gente vai continuar lutando, vai continuar falando a verdade, mesmo que doa muitas pessoa, que só querem usar os nossos parentes.

Mais uma vez parabenizar aos senhores, aos doutores pela por essa tomada de de decisão, que já era esperada por nós e que a gente se sente mais fortalecido sabendo que o estado brasileiro ainda cumpre com o seu papel, como cidadão brasileiro. Não importa ele, seja índio ou seja branco. E nós temos que respeitar a lei e o nosso estado é regido por tais leis. E que devemos saber saber usar elas, da melhor forma possível sem tentar descaracterizar efeitos de tais leis, ordens que estão inscritas na nossa constituição.

Então no mais o Conselho Dias de Roraima se compromete em continuar na luta, em continuar zelando pelo bem viver das comunidades, indígenas de Roraima.”

Os Postos de Vigilância e Monitoramento Territorial Indígena, tem atuado de forma conjunta, além do Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena  – GPVTI, as lideranças se unem de forma voluntaria para proteger seu território.