Terra Indígena Pium, Região Tabaio, ainda sofre consequências após violência policial há cinco meses

Os povos indígenas a cada dia que passa, sofrem com o desrespeito e violação dos seus direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, em especial o direito à terra. É o caso da Terra Indígena Pium, Região Tabaio. No dia 1º de dezembro de 2021, a comunidade sofreu violência por parte do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Policia Militar de Roraima fortemente armados com metralhadoras, escudos e armas não letais durante o cumprimento de um mandado judicial expedido pela juíza de direito da Comarca do Município de Alto Alegre. Que depois da contestação da ação por parte da Comunidade e o MPF se declarou incompetente para julgar o processo por envolver direitos indígenas.

Prestes a completar cinco meses do ataque, os moradores ainda vivem assustados e abalados com o fato que aconteceu. Famílias que viviam no local relatam que não foram comunicados sobre a reintegração de posse. Todos que estavam residindo no local, tiveram suas casas derrubadas por trator e incendiadas. A PM também agiu com truculência e violência atirando gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha em pais de família, mulheres, jovens, idosos e até crianças.

Além da violência policial, as casas foram derrubadas e incendiadas. Foto: Ascom/CIR

Ao todo, foram 14 casas destruídas pela polícia. Até hoje, as pessoas não conseguem entender por que isso aconteceu. Sendo que ali, segundo os moradores, é área pertencente à comunidade Pium e que vivem há várias décadas. Mas fazendeiros que fazem limites com a Terra Indígena estão invadindo o território fazendo cercas dentro da área, mudando de lugar os marcos de demarcação, e até mesmo as placas que foram instaladas pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

A briga entre a comunidade e fazendeiros não é recente. Há muitos anos isso vem acontecendo. No dia do ataque policial, moradores relatam que pessoas da fazenda vizinha estavam no momento acompanhando de perto. Que logo após as casas todas serem derrubadas, funcionários da fazenda incendiaram as casas uma por uma. Em uma das residências, queimaram até o cachorro de uma família.

Todos os moradores da comunidade temem por suas vidas. Isso porque, mesmo após perderem tudo contam que pistoleiros armados com armas de fogo têm rondado nos limites e até mesmo dentro da área indígena utilizando as armas para intimidar os indígenas.

Na comunidade Pium, vivem famílias dos povos Macuxi, Wapichana e Sapará. A Terra Indígena Pium possui 4.607,61 hectares e aproximadamente 500 pessoas. Apesar do pouco espaço, há anos as lideranças vêm denunciando as invasões.

A TI Pium teve a área demarcada nos anos 80 pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ou seja, durante a ditadura militar. Durante o processo de identificação e delimitação teve a área diminuída após grande pressão de posseiros que invadiram a terra indígena. Por conta disso, há um pedido de reestudo da área demarcada protocolado na FUNAI desde o ano de 2000.

A demarcação não levou em consideração os recursos naturais do território, como a nascente dos igarapés da comunidade, que são fontes fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos povos. Recentemente, um suposto proprietário entrou com uma ação judicial contra os moradores da comunidade Pium.  No qual, ele alega ser dono daquela mesma área que estava sendo ocupada pelos indígenas.

Conforme o relato dos moradores, tem sido intensas as invasões e ameaças, por causa da área que é de posse da comunidade. Ainda segundo informações, desde abril de 2021, dois fazendeiros procuraram as lideranças da comunidade e afirmaram terem comprado o terreno. Pouco tempo depois eles começaram a fazer arados no local para fazer plantio de soja dentro da área demarcada e também da área de retomada, um espaço de uso coletivo da comunidade.

No dia 1º de dezembro da tropa de choque do BOPE atacou a comunidade Pium. Foto: Comunicação Região Tabaio

No dia 1º de dezembro de 2021, a tropa de choque do BOPE atacou moradores da TI PiumNo dia 1º de dezembro, todos os moradores tiveram uma surpresa nada agradável. Como conta dona Ângela Maria, a casa dela foi a primeira a ser derrubada. Ela comenta que eram por volta das 6 horas da manhã quando passaram os tratores. Nesse momento o esposo de dona Ângela saiu para avisar o tuxaua da comunidade.

“Assim que ele saiu, foi a hora que eles chegaram com o oficial de justiça, pessoal do BOPE e Corpo de Bombeiros. Aí o oficial de justiça veio falar para nós que ele estava lá para fazer a reintegração de posse, que nós tínhamos poucos minutos para sair e tirar nossas coisas. Aí como só estava eu e meus filhos pequenos de 5, 7 e 10 anos, eles que já correram pra dentro de casa para pegar algumas roupas e enrolaram no lençol. A gente tentou conversar com eles, mas não teve nenhum acordo. Para mim foi uma coisa muito horrível. Nesse dia eu senti de estar acontecendo comigo dentro da minha própria casa, numa área que é nossa de direito. Foi uma sensação ruim, por que nunca tinha sentido isso na pele”, conta emocionada.

Outro morador que teve a casa destruída e logo depois incendiada, foi o senhor Francisco Sapará, ele que com muita luta construiu um local para fazer sua criação de animais. Mas que teve o sonho destruído pelos invasores.

“Eu construir meu barraco, escolhi esse local onde ia fazer minha criação de porco e galinha. Mas hoje o que podemos ver é todo um trabalho, um esforço que tivemos tudo destruído por esses invasores. É muito triste tudo isso que eles fizeram com a gente. Mas nós iremos construir de novo e se Deus quiser nós vamos ganhar essa terra, não só para a comunidade Pium, mas para todos os indígenas que vivem na nossa região”, disse Francisco.

DECISÃO DA JUSTIÇA ESTADUAL

No dia 22 de março de 2022, saiu a decisão da Juíza reconhecendo a incompetência da Justiça Estadual para analisar o caso e que o caso deve ser remetido para a Justiça Federal por envolver disputa sobre direitos indígenas, conforme prescreve o artigo 109 da Constituição Federal.

O parecer do Ministério Público Federal (MPF) foi no mesmo sentido, ou seja, que o caso deve ser analisado pela Justiça Federal, uma vez que versa, ao menos em tese, sobre direitos indígenas, e considerando que o MPF não figura como parte, deve intervir na qualidade de fiscal da ordem jurídica, razão pela qual defendeu a declaração de incompetência da Justiça Estadual, e a remessa dos autos à Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado de Roraima.

Outro ponto é que este processo judicial que teve a liminar em dezembro de 2021, é praticamente igual a outra ação que fazendeiros da mesma família que anteriormente ajuizou uma ação de reintegração de posse. E após a defesa da comunidade o caso foi remetido para a Justiça Federal. Da primeira ação, a comunidade já tinha conhecimento, pediu para participar do processo pelo interesse coletivo da comunidade na defesa dos direitos territoriais indígenas.

“A juíza da Comarca de Alto Alegre declinou competência no caso Pium/Tabaio, ou seja, reconheceu que a Justiça Federal tem a competência de analisar conflitos envolvendo direitos indígenas. O Departamento Jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) acompanha o processo desde quando as lideranças pediram. Além do MPF, agora a comunidade vai pedir para ser habilitada nos Processos na Justiça Federal”, frisou o assessor jurídico do CIR, Dr. Ivo Aureliano Makuxi.

Para a tuxaua Maria Oliveira Justino, todo o ocorrido só serviu para fortalecer ainda mais a comunidade. Ela conta que por ser liderança vai unir mais ainda seu povo para continuar na luta pelo território. Que não irão desistir e construir novamente as casas naquela localidade.

“Eu como liderança, junto com meu povo, vou continuar na luta pelo nosso território. Porque isso só nos fortaleceu. Vamos continuar fazendo nossas casas, porque não vamos baixar a cabeça e vamos seguir em frente junto dando força uns aos outros e trabalhando em união. Aqui, essas casas que foram derrubadas, nós construímos unidos e assim vamos continuar.  Eu fiquei muito triste, porque também destruíram minha casa, incendiaram tudo. Mas vamos nos animar e construir tudo novamente”, finalizou a tuxaua.