Comunidade indígena Pium usa normas tradicionais para resolução de conflitos internos

Faz parte dos costumes e tradições dos indígenas Wapichana da Comunidade Indígena Pium, Região Serra da Lua, buscar soluções para os conflitos internos a partir de suas próprias regras. Um dos casos que teve grande repercussão aconteceu na Comunidade Indígena Cachoeira do Sapo, que fica há dez quilômetros do Pium, envolvendo um indígena que agrediu sua esposa violentamente.

Líderes da Comunidade Cachoeira do Sapo, por determinação coletiva, resolveram expulsar o indígena. Em comum acordo, o Conselho de Lideranças da Comunidade Pium decidiu que o indígena expulso seria acolhido para cumprir a pena conforme o regimento interno da comunidade.

Além do caso relatado, a Comunidade do Pium, por meio de suas Normas Internas, aplica punição, realiza mediação e conciliação de conflitos entre os moradores da comunidade. Porém, as normas somente têm aplicação na área da terra indígena e quando o caso envolve indígenas.

As lideranças mais antigas contam que as questões internas eram resolvidas na comunidade, mas não tinham um documento escrito. Quando o caso era leve, o indígena recebia “conselhos” – ou seja, sermão das lideranças. As reuniões aconteciam na casa do Tuxaua, na igreja ou no Malocão comunitário.

 

Malocão comunitário da comunidade indígena Pium. Espaço de decisões politicas dos povos indígenas.  Foto: Arquivo da comunidade.  

Com objetivo de fortalecer a organização social da comunidade, foi aprovado o Regimento Interno e criou o Conselho de Lideranças. O conselho é formado por lideranças tradicionais entre mulheres, animadores, professores, anciões, agentes de vigilância e jovens  que compõem o corpo administrativo. O principal objetivo do conselho é resolver as questões internas e encaminhar os casos para a assembleia, em seguida comunitária tomar a decisão final.

O líder Jacir Barreto explicou um dos motivos para escrever o Regimento Interno. “Foi por causa dos nossos parentes serem presos. Vimos muito sofrimento. Por isso resolvemos punir nossos parentes na nossa comunidade. Antigamente, o problema era resolvido pelo Tuxaua e capataz (auxiliar do tuxaua), não tinha o Conselho de Lideranças. E os casos mais graves, eles eram levados para a comunidade, e a comunidade resolvia junto com as lideranças”, explicou.

Segundo o Tuxaua Lázaro Wapichana, “a comunidade resolveu punir os parentes dentro do território para eles não irem para cadeia em Boa Vista, porque lá a pena é muito cruel. Aqui eles têm liberdade, mas não a liberdade do jeito deles. Aqui cumprem a pena diariamente, fazendo trabalhos comunitários, indo para fazendas, realizando os trabalhos das mulheres”.

O vice Tuxaua Pedro Wapichana disse que,” atualmente são 08 indígenas que estão cumprindo pena, conforme o Regimento prestando serviços comunitários. Têm indígenas que foram penalizados com 03 e 04 anos, e casos graves de até 30 anos. Os indígenas que prestam serviços comunitários assinam uma frequência diária e são acompanhados por uma liderança”, explicou.

O Regimento da comunidade não trata apenas de punições, relata o cotidiano da comunidade, como os costumes e tradições do povo Wapichana, deixa claro o papel das lideranças, a forma de consulta, a gestão e proteção territorial.

Devido a proximidade com as comunidades da Guiana, existe cooperação para resolução de conflitos com base nos sistemas jurídicos das comunidades.

A Comunidade Indígena Pium, está localizada na Terra Indígena Manoá/Pium, região Serra da Lua, município de Bonfim, próxima à fronteira com a Guiana. Tem uma população de 800 pessoas, a maioria do povo indígena Wapichana.

Texto: assessoria jurídica do CIR