Professores indígenas denunciam falta de estrutura para EAD e ameaça de corte salarial em meio à pandemia

Em meio ao cenário de incerteza provocado pela pandemia do novo coronavírus, professores da Educação Indígena de Roraima denunciam a falta de itens básicos para preparar materiais didáticos e até ameaças de corte salarial após a decisão do governo estadual de retomar as aulas da rede pública de ensino na modalidade de Educação a Distância (EAD).

Como medida de controle à covid-19, o governo suspendeu as aulas da rede estadual em março e no dia 6 de abril decretou o reinício das atividades na modalidade não-presencial online e com uso de apostilas para o caso dos estudantes que não dispõem de internet. No entanto, de acordo com professores e pais de alunos, nas escolas indígenas faltam estrutura para ambos os métodos. No estado, há 264 escolas indígenas com um total de 16.802 estudantes.

“Nós não temos máquina de xerox nas escolas e nem papel para atender todos alunos”, relatou o professor Reginaldo WaiWai, afirmando que o problema se repete nas nove escolas estaduais indígenas da etnia WaiWai. “Estamos elaborando as apostilas, mas a nossa dificuldade é esta”.

O problema é o mesmo na região Serra da Lua, segundo Getúlio Solon, coordenador dos professores da região que também denunciou pressão por parte da Secretaria Estadual de Educação (SEED). Ele disse que junto com outros colegas recebeu ameaça de corte salarial pela chefe da Divisão de Educação Escolar Indígena (DIEI) caso não se adequassem rapidamente ao funcionamento na modalidade de educação a distância.

“Junto com a comunidade fizemos um documento dizendo como iria funcionar nossa metodologia na região Serra da Lua diante da pandemia, mas sabemos que a decisão das lideranças indígenas não tem valor diante do sistema opressor, por isso muitos professores voltaram atrás da metodologia que estávamos planejando e cederam por conta das ameaças de corte salarial”, disse o professor.

“Agora aqui está valendo o estudo dirigido, e para isso requeremos o apoio pois não temos impressora nas escolas, transporte e merenda para os alunos que estão nas suas casas”, afirmou o professor.

Segundo outro professor de uma escola na região de Amajari, mesmo com o reinício das aulas no dia 6 de abril poucos alunos retomaram os estudos pela falta de estrutura.

“Na região Amajarí tem uma escola com mais de 400 alunos, mas muitos moram distante, em fazendas, e não conseguem nem mesmo ir buscar os materiais ”, disse o professor que por medo de represálias pediu para não ter o nome divulgado.

Marlene Silva, da comunidade Tabalascada, relatou que está muito preocupada com a forma que seu filho irá estudar, pois teme que sem internet e a presença e orientação dos professores, ele não tenha a necessária compreensão do conteúdo didático.

“Estou preocupada pois não sei como vão ser essas aulas, como o aluno vai entender cada conteúdo sem a explicação dos trabalhos pelos professores, sendo que não há apostilas para todos e nem todos têm acesso à internet” afirmou Marlene.

A professora Edite Andrade, coordenadora da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (Opirr), confirmou a falta de estrutura para a realização das aulas na modalidade a distância e disse que a situação foi repassada à SEED.

“Deixamos claro que as escolas não tinham estrutura e logo o estado tinha que dar o suporte para conseguir que os professores pudessem colocar seus planejamentos do ensino EAD em prática”, disse a professora, relembrando que as escolas indígenas ainda estão cumprindo o calendário escolar de 2019.

“Agora, aos professores cabe fazer o planejamento das aulas a distância, dizendo o que vão fazer nesse período de acordo com as especificidades das escolas indígenas de ensino diferenciado”, explicou. “E cabe à secretária acatar e executar os planejamentos, mas levando em consideração que nenhum professor pode ser responsabilizado neste momento por atraso no início das aulas, uma vez que todos ainda estamos nos adequando às mudanças”.